CRÍTICA POLÍTICA OU ESCÁRNIO COMO TÁTICA DE POSICIONAMENTO VAZIO?

MENEZES, Jean Paulo Pereira de.

Parte das preocupações desenvolvidas neste texto são incentivadas pela rica exposição da historiadora Anita Prestes, realizada recentemente na UNESP de Marília, onde se apresentava aos leitores a sua mais recente publicação sobre seu pai Luiz Carlos Prestes. Evidentemente que a historiadora Anita não é o maior centro de inspiração que motiva esse texto, pois a sombra não se compara com o toco. Todavia é preciso ser honesto intelectualmente, pois a nossa moral não é a deles e a intervenção não foi apenas deboche. Entretanto se faz necessário citar que: “É preciso uma estupidez intelectual e moral sem tamanho para identificar a política moral reacionária do stalinismo com a moral revolucionária dos bolcheviques” (TROTSKY, 2009:76).
Nas sombras de homens e mulheres se escondem os covardes. Aqui inicio acentuando duas possibilidades entre várias: 1)- a de que homens e mulheres são covardes e por isso buscam se esconder diante de outrem maiores que estes e por isso mesmo equivalendo o medo ao tamanho da sombra que acolhe; 2)- a de que nas sombras de gigantes, homens e mulheres, se refrescam dando-se o luxo de respirarem quase no sossego para pronunciarem deboches como tática vazia sobre aquilo que desconhecem.

O historiador, quando dá partida a sua interlocução reivindicando a conexão de suas preocupações com o tempo presente, e dá embalo ao deboche, ao escárnio, que encontra gargalhadas na face do idiota, acaba por se ajoelhar ao mais baixo grau de hipocrisia. Principalmente se o historiador se coloca em uma tradição de lutas ao lado da classe trabalhadora na própria História.
É verdadeira a afirmação que na história da esquerda há muitas divergências, como também é verdade que a divergência ganha candências realmente brutais. Mas aqui me refiro à crítica[a] entre camaradas, não ao deboche.
Criticar é fundamental para o desenvolvimento da luta ainda em nossa Pré-História em sua fase capitalista como destacou Marx em 1859. E a palavra “fundamental” deve receber a atenção que merece aqui, pois se refere a fundamentos, o que funda no que se alicerça, no que sustenta. A crítica como apreensão do real que se apresenta diante do evento é o fundamento da construção teórica e ela se faz, ou deveria se fazer, entre seres em polêmica, de forma respeitosa e franca.
O deboche se distingue radicalmente da crítica. E radicalmente aqui também está relacionado com os fundamentos daquilo que se apresenta. O escárnio, o deboche se fundamenta em outra perspectiva, radicalmente distante de uma perspectiva revolucionária. Os fundamentos do deboche podem ser localizados entre aqueles que desejam se posicionar sobre determinada perspectiva crítica com o objetivo de desqualificá-la. Debochar é apresentar ironicamente considerações de ataque àquilo que não se postula ou mesmo aquilo que não se conhece. Ele pode ser muito bem utilizado como tática para recepcionar a crítica ou mesmo para desqualificar alguém ou grupo político. Quando o conhecimento sobre determinado tema é a representação da maior expressão do vácuo cognitivo entra em cena a tática do deboche.
Se falo de organização (ou organizações) junto/pela a classe trabalhadora e não vejo como sustentar a participação de determinada organização junto aos trabalhadores, uma possibilidade é realizar o escárnio daquele ou da organização que a possui ativamente. Para ilustrar francamente: se existem pedreiros, eletricistas, serventes de pedreiros organizados em determinado campo de obras e se estes trabalhadores não são da minha organização e sim de outras, utilizo o deboche para desqualificar a organização e luta contra a exploração capitalista. Nitidamente temos aqui uma situação absolutamente nada revolucionária. Se determinada organização não é a organização que se centraliza democraticamente a partir dos trabalhadores em luta, aquela organização e parte de seus dirigentes podem debochadamente afirmarem: “aquilo ali é apenas uma aventura... estão brincando de organização...estão brincando de lutar”.
Neste caso o que se apresenta como crítica política não passa de uma tática vazia, de escárnio como demonstração da mais absoluta ignorância do que de fato acontece. Como poderia, eu, desqualificar a luta cotidiana de trabalhadores da construção civil no maior canteiro de obras do pais pelo simples fato de parte deste trabalhadores pertencerem a uma organização que não é a minha? Com que moral poderíamos nós debocharmos das lutas da classe trabalhadora organizada se vomito ser comunista?
Vejo o vazio. Um vazio teórico, de conhecimento fenomênico e que se manifesta em uma tática típica da burguesia, não dos comunistas revolucionários! Uma falta de conhecimento absurda em sintonia de uma também absurda vontade de falar. E o resultado disso é o falatório desqualificador da organização dos próprios trabalhadores.
Se este tipo de posicionamento parte de intelectuais comunistas (vulgares, para também nos lembrarmos de Eric Hobsbawm) me resta um questionamento para encaminhamento: Além do O Globo, Folha de São Paulo, Estadão, etc (...) quais são as fontes que permitem o historiador de esquerda sustentar esta possibilidade de crítica aos trabalhadores organizados? Se o deboche direcionado a uma organização distinta do debochador (...) pergunto: onde é que o senhor debochado estava quando milhares de trabalhadores se organizavam contra o governo atual e contra o capital? Onde o dono do deboche estava quando em Jirau os trabalhadores que nunca frequentaram a universidade estavam dando aula de revolução de enxadas e pás nas mãos? Por algum acaso estava tirando fotos para o Globo ou a TV bandeirantes? Pois fica evidente que o desejo de escarnar é a afirmação de quem não tem a mínima noção do que se passa nos canteiros de obras... É típico daqueles homens e mulheres que detrás do toco aproveitam da sombra do passado para tecerem deboches pretensamente desqualificadores daqueles que lutam e se centralizam em organizações que não é a sua. Por isso temos uma tática vazia, covarde e que manifesta uma moral que não é revolucionária e sim pequenina burguesa travestida de comunista. Os holofotes da pequenina burguesia envelhecida não ofusca a luta cotidiana dos trabalhadores (...) assim, resta-lhes a tática vazia do deboche para agradar meia dúzia dos seus que irão sorrir esvaziadamente pelo fato de compartilharem a mesma moral que não se faz revolucionária.
Crítica política? Não, apenas um escárnio como tática política vazia para se posicionar sobre aquilo que não conhece. Viajar o Brasil apenas de avião e ler diariamente O Globo não é suficiente para se informar sobre a luta de classes e as organizações compostas pelos trabalhadores do outro lado do país.
Se desejamos a construção da luta dos trabalhadores contra o capital e sua sociabilidade perversa, parece-me pertinente deixarmos o deboche para os lacaios do capital e posicionarmos em unidade de ação com as armas da crítica não do escárnio sem potência.

Nota:
[a]- Crítica como análise mental que se faz a partir do mundo concreto em suas múltiplas determinações; um movimento abstrato a partir da dialética do concreto; teoria.

Referências
TROTSKY, Leon. Questões do modo de vida. A moral deles e a nossa. Trad. Diego Siqueira &Daniel Oliveira. São Paulo: Editora Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2009.

HOBSBAWM, Eric John Ernest. Sobre História. Companhia das Letras, São Paulo; 1998.

Comentários