Algumas palavras sobre a evanescência do presente

Jean Paulo Pereira de Menezes
Professor de História na Unesp de Marília.


Passado, presente e futuro. Esta tríade nos coloca em perspectiva e a problematização vem sequencialmente: do que se trata? O que são estes três conceitos tão lançados nas ciências históricas? Proporemos aqui algumas outras problematizações para que possamos dar continuidade ao debate sobre esta trilogia que comparece sobremaneira nas Ciências Humanas.
Hegel, em 1823 na “Filosofia da História” nos sugere que a História é o devir e que a dialética é a História onde a razão se manifesta. Karl Marx e Freidrich Engels escreveram no ano de 1845 na “Ideologia Alemã” que a História era a única Ciência. Em 1858 Marx reafirma a tese de que a História é central para compreendermos o presente, sugerindo o presente como história.
O presente se manifesta como um momento diante do todo, o momento que conseguimos, por alguns instantes sermos vivos, ou seja, tê-lo de passagem entre os dedos. O presente é o momento da história que de forma catalisadora apresenta parte do passado e a si mesmo. É nele que o homem pré-ideia o futuro  em conjeturações sobre o devir. No presente se nega, se afirma o passado. É nele que se goza ou se agoniza diante dos fenômenos. O presente manifesta o conceito de tempo mais evanescente, aquele em que quase tudo se pode e ao mesmo tempo quase nada se consegue. É o tempo mais rápido, mais volátil e mais quente.
No presente o homem problematiza, defende e nega. Apenas no presente se abstrai sobre o pretérito e pensa o futuro, a partir de posturas idealistas ou não. O momento evanescente é onde se consegue identificar a si mesmo em primeira instância, momento vital para reconhecer-se no passado e em um futuro próximo que se concretiza como o próximo amanhecer, ou mesmo nos segundos subsequentes.
É no presente que se conceitua, é nele que o passado é pensado como passado e o futuro como o devir que ainda não se realizou. Mas o presente é também o futuro do passado, pré-ideado e concretizado de forma diversa a teleologia pretérita. O presente ainda é o palco em que ele mesmo se decompõe e se concretiza em passado ao mesmo tempo em que é a ideação do agora mais imediato. No presente, ele (o presente) identifica-se, se nega e se consolida. Numa palavra: o presente é o palco mais notório de toda História em construção.
Pensar o presente nesta perspectiva trilógica pode nos conduzir à armadilhas do diletantismo, mas se conduzirmos nossas problematizações a partir dele mesmo, ou seja, não perdermos de vista o concreto pensado, podemos observar como esse campo de indagações e afirmações estão bem articulados com o nosso presente imediato diante de uma totalidade histórica.
No século XX, identificamos uma perspectiva analítica que também postula uma série de preocupações com o presente mais imediato, trata-se do que se convencionou chamar de pós-modernidade. Entre os intelectuais que abraçam e postulam este tipo de análise do presente poderemos citar o emblemático Jean François Lyotard, onde a perspectiva de totalidade histórica citada por nós anteriormente não comparece senão como negação em sua perspectiva analítica.
Assim, o presente se trona o único palco possível, onde de forma mecânica o devir continua a ser pensado. O passado deve ser pincelado a partir das cores que interessar ao pintor deste presente. Para isso, evidentemente, escolherão as cores mais vibrantes, pulsantes e mais vivas ao tecerem a tela analítica do que é o tempo presente. Reafirmamos, relações mecânicas que não forjam nada além de análises coloridas e binárias sobre o presente real, histórico e socialmente construído.
Lyotard é apenas um emblemático entre tantos outros que há tempos abandonaram a perspectiva de totalidade histórica para pensarem o presente, o passado e o futuro. Não cabe este texto adentrar em apontamentos sobre os demais intelectuais pós-modernos, todavia sugerimos a leitura em nota[1] de dois importantes textos sobre esta questão que agora não nos é central na medida em que focalizarmos nos intelectuais pós-modernos nos desviaria do propósito central: a evanescência do presente.
A evanescência do presente é imanente a esse momento do devir. Entretanto, se não fosse isso suficiente para manifestar uma social construção complexa sobre o tempo presente, há que se considerar uma série de posicionamentos sociais que particularizam o entendimento desse que se desfaz rapidamente diante da totalidade.
O debate sobre os fundamentos do ser a partir da negação de categorias históricas fundamentais corroboram para uma leitura do presente descolada da totalidade, consequentemente, descolada do movimento e presa ao mecanicismo e a naturalização do universo fenomênico.
Diante do quase abandono acerca dos fundamentos identificamos duas problemáticas centrais acerca do presente como história em perspectiva ontológica a partir de Karl Marx. São eles: a)- A negação da totalidade: O entendimento de que determinados eventos devem ser entendidos diante de uma totalidade complexa é abandonado pelo intelectual pós-moderno a favor da micro história, a preocupação com o fenômeno em si, detendo-se a pseudoconcreticidade. b)- A negação das grandes narrativas: Entendemos as grandes narrativas como propostas de entendimento de determinados fenômenos que levam em consideração a longa duração, os fundamentos ontológicos de constituição dos seres e suas relações diversas. Procuraremos agora apresentar algumas palavras sobre a evanescência do presente diante destes dois elementos problematizadores.

A negação da totalidade histórica
A historiadora Virgínia Fontes, por ocasião de um lançamento editorial dos Grundrisses, no Estado do Rio de Janeiro no ano de 2011, se referiu a morte de Marx, sobretudo ao papel que cumprem os anunciadores desta morte. Virgínia se referia a plataforma que Marx nos legou, como capaz de contribuir para alçarmos vôos a partir do presente para melhor entendermos a sociedade capitalista. Anunciar repetidamente a morte de Marx não seria matar o que já está morto, mas a rica plataforma que Marx desenvolveu para a compreensão da História. A totalidade histórica é parte desta plataforma para o entendimento do presente.
            O filósofo tcheco Karel Kosik, em sua obra Dialética do Concreto, bastante divulgada nos círculos marxistas, apresenta atenção especial a esta categoria fundamental no pensamento de Marx, vejamos:
“[...]. A totalidade não é um todo já pronto que se recheia com um conteúdo, com as qualidades das partes ou com as suas relações; a própria totalidade  é que se concretiza e esta concretização não é apenas  criação no conteúdo mas também criação do todo” (KOSIK, 1995:59).

Desta maneira a desconsideração acerca da totalidade torna-se um elemento de entrave para a compreensão e transformação do presente. Ao passo que se nega esta categoria, o faz também a consideração do entendimento das múltiplas relações, para além do mecanicismo, que é existente entre as partes que formam o todo. Ignora-se as suas relações de conflito e harmonia, e portanto, a constituição do todo relativo.
Ao negar o princípio de uma História nestes termos qualquer princípio analítico acaba por se ancorar em fundamentações minimamente frágeis para entender a rede complexa de relações entre as partes que compões a totalidade histórica. Não se trata aqui de compreender que a compreensão da totalidade opera de forma absoluta, mas de considera-la em perspectiva, para além de um passado imóvel e um presente imediato e fluido. Há certamente limitações, a iniciar pela própria capacidade de apreensão do sujeito que investiga, todavia, isso não poderia ser uma barreira (ai sim absoluta), um hiato, entre o homem e o todo histórico realizado pelos homens no devir.
A negação da totalidade, muitas vezes se apresenta em decorrência de uma ignorância em relação a própria constituição da categoria. Associa-se totalidade histórica a pretensão de que o sujeito tenha acesso de forma absoluta as relações entre as partes constitutivas do todo, ou ainda, acesso pleno a todas as sínteses de múltiplas determinações dos fenômenos históricos. Seja por ingenuidade intelectual e mesmo por posicionamento político de combate reacionário ao pensamento de Marx, estas duas vertentes nada colaboram para o fazer de uma crítica mais profunda, escamoteando para detrás de ideologias o seu posicionamento de classe. Por isso a negação incessante da plataforma teórico - metodológica que Marx constitui ao passo que desenvolve a sua crítica da economia política.

A negação das grandes narrativas
Este segundo ponto estabelece toda relação com a negação da totalidade histórica. As grandes narrativas, aqui, não devem ser entendidas como a história envelhecida, dos grandes acontecimentos ou de grandes personalidades, mas a preocupação em desenvolver uma leitura de determinado fenômeno a partir da totalidade histórica, enfatizando a longa duração dos acontecimentos.
Significa que a longa duração se preocupa em entender o processo constitutivo, os fundamentos da coisa que é apresentada fenomenalmente no presente. Em perspectiva histórica, Marx apresenta esta forma ao passo que para entender o seu presente imediato o faz motivado por problematizações cotidianas que são melhores entendias e explicadas quando se busca os fundamentos históricos em movimento em constante construção de negação, afirmação e dúvidas também. Negar a construção de grandes narrativas, inicialmente é manter o coro com a primeira negação: a da totalidade.
Dissemos, em um primeiro momento, porque ao analisarmos a produção do conhecimento, especialmente sobre formas de escrita da História, sobretudo no século XX e XXI, identificamos um outro momento onde a negação da construção de grandes narrativas se tornam uma preocupação contraria aos interesses da reestruturação produtiva da produção intelectual. Ou seja, a perspectiva marxiana, de investigação e construção narrativa[2] encontra sérias dificuldades diante do cotidiano, pois uma grande narrativa não encontra nem mesmo espaço mecânico para ser publicada e debatida em determinados círculos intelectuais.
A negação da grande narrativa, nos termos que Marx propõe é da maior importância para a manutenção do modus operandi da produção do conhecimento na pseudo-concreticidade proposta por Kosik e desta forma concebendo o tempo presente da maneira mais fenomênica possível:
“ O complexo dos fenômenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera comum da vida humana, que, com sua regularidade, imediatismo e evidência, penetram na consciência dos indivíduos agentes, assumindo um aspecto independente e natural, constitui o mundo da pseudoconcreticidade. A ele pertencem: - O mundo dos fenômenos externos, que se desenvolvem à superfície dos processos realmente essenciais; - O mundo do tráfico e da manipulação, isto é, da práxis fetichizada dos homens (a qual não coincide com a práxis crítica revolucionária da humanidade); - O munda das representações comuns, que são projeções dos fenômenos externos da consciência dos homens, produto da práxis fetichizada, formas ideológicas de seu movimento; - O mundo dos objetos fixados, que dão a impressão de ser condições naturais e não são imediatamente reconhecíveis como resultado da atividade social dos homens” (KOSIK, 1995:15).

As relações de produção, no que tange a escrita da história e análise social é travada pela lógica de reprodução do capital, que, diante destas mesmas relações atravancadas, produzem e reproduzem suas ideologias, entre elas a de que se tornou inviável a produção de grandes narrativas que se ocupam da longa duração do devir histórico. Desta maneira a evanescência do presente passa a ser manipulada e propositalmente vazia em relação ao todo que a constitui.
Evidentemente que aqui apresentamos apenas algumas palavras para iniciarmos o debate público, pois entender a evanescência do presente é também considerar o posicionamento contrário ao que postulamos aqui.
Com a palavra, os pós-modernos!


Referências

COUTINHO, Carlos Nelson. O Estruturalismo e a Miséria da Razã”. Expressão Popular, São Paulo, 2010.
EAGLETON, Terry. Depois da teoria: um olhar sobre os Estudos Culturais e o pós-modernismo. Tradução de Maria Lucia Oliveira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. Trad. de Célia Neves e Alderico Toríbio. Rio de Janeiro; 1995.



[1]  Carlos Nelson Coutinho, “O Estruturalismo e a Miséria da Razão”. Expressão Popular, 2010; 1ª ed.:Ed. Paz e Terra, 1972; Terry Eagleton, “Depois da teoria: um olhar sobre os Estudos Culturais e o pós-modernismo”. Tradução de Maria Lucia Oliveira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
[2] Evidentemente Marx não era um historiador do seu tempo, era um crítico da Economia Política, um dirigente militante. Todavia, como nossa tese possui a pretensão de estabelecer um diálogo entre Ciências Sociais e historiografia, fazemos uso de conceitos importantes utilizados entre os historiadores, como tempo presente, escrita da história, narrativa entre outros que comparecerão na exposição da pesquisa.

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